quarta-feira, dezembro 19, 2007

- o carteiro -
Um erro repetido ou a má memória:
No final do livro “Museu Imaginário” o autor revela uma verdade perturbadora devido à cupidez de quem a mantêm: o Museu Nacional de Arte Moderna em Paris, localizado no Centro Pompidou tem na sua posse um conjunto de obras cuja proveniência nunca foi investigada. Dito assim não parece nem grave nem digno de simples nota, mas está-se em crer que estas obras farão parte dos milhares retiradas aos judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Muitos judeus eram donos de galerias de arte e quando França pactuou com Hitler durante o governo de Vichy, estes galeristas viram-se privados dos seus bens, principalmente estes, as obras de arte. Após o fim da Guerra, muitos tentaram recuperá-los em vão. As famílias dos condenados de Nuremberga colocavam as obras à venda em leilão e não se desse o caso das famílias dos espoliados estarem atentas aos catálogos dos leilões e a peça poderia facilmente passar de mãos perdendo-se para sempre o rasto. Uma lei francesa diz que as peças devem ser restituídas aos seus donos, mas no fundo existem milhares de peças nos catálogos do museu com a designação “R”, de “recuperado” Isto quer dizer que uma parte do espólio do museu é constituída por uma parte de património privado que o mesmo museu, se não adquiriu de forma ilegal, pelo menos mantém sem tentar provar a proveniência e restituir ao dono ou família do mesmo. Cerca de 400 obras de arte nestas condições encontram-se no Louvre, mais 100 no Museu d’Orsay, perto de 30 no MNAM e mais cerca de 10 esculturas no Museu Rodin.

E para rematar aponta dois exemplos escandalosos: o busto por reclamar de madame Pompadour, amante de Luís XV e que foi atribuído ao escultor Jean-Baptiste Pigalle está hoje na Sala Pompadour do Palácio do Eliseu. O Beijo de Rodin, uma escultura em bronze, está hoje no Hotel de Matignon, a residência oficial do primeiro-ministro francês.
Jean-Baptiste Pigalle
Busto de Madame Pompadour
1751
Entretanto e para dar a notícia como deve ser, o Grohmann Museum em Milwaukee, dedicado à evolução do trabalho humano, tem algumas peças que estão a levantar a mesma questão que aqui acabámos de abordar. Algumas obras de arte ali expostas produzidas durante o terceiro Reich não têm textos explicativos que expliquem a sua teoria dentro da História. São mais de 700 pinturas e esculturas de artistas alemães e do norte da Europa, pouco conhecidos, mas também estão incluídos trabalhos de Pieter Brueghel, Jan van Goyen, Max Liebermann e Frederic Remington. Os temas são quase todos relacionados com o trabalho, uma vez que foi o tema escolhido pelo fundador do museu para basear a sua colecção. O próprio edifício em que está instalado o museu tem traça inspirada no Reichstag em Berlim. Até aqui não há nada de errado, nem mesmo na possibilidade do fundador parecer ser um simpatizante da ideologia nazi. O único problema é a falta de gosto que a arte protegida do regime conseguiu produzir. E é também o facto de estarem representados artistas como Erich Mercker, pintor patrocinado pelo Reich e que teve a honra de participar na "Great German Art Exhibition" em 1937. Há qualquer coisa de errado igualmente quando o museu apenas cita o nome do artista, a data e o título, mas não o vínculo do artista à ideologia e ao regime nazi. E quem diz Mercker, diz Ferdinand Staeger, cujo trabalho fazia parte da colecção particular de Hitler, ou mesmo Ria Picco-Rückert e Otto Hamel. A boa notícia é que nesta colecção há trabalhos de um artista que se opôs ao regime.

Grohmann, o dignitário da colecção nega simpatias Nazis e diz que se assim fosse, as pinturas deveriam conter simbologia nazi, ignorando assim o facto de a ideologia não se expressar nem se fazer representar apenas pelos seus símbolos institucionais, mas por aquilo que não pode ser institucionalizado, como o ideal de beleza, por exemplo, ou o trabalho estético, ou a construção sagrada da Alemanha.Se o museu se dedica ao estudo do trabalho humano está inserido dentro de uma instituição de ensino, estes factores deveriam ser revistos. Pelo menos a proveniência do quadro, a sua história deveria ser contada. Também não se pode optar pelo revisionismo ao nazismo, tentar ocultar a sua existência e aquilo que produziu, que é fruto da ideologia subjacente. É porém possível e até aconselhável que os erros do passado não se repitam e para isso nada melhor que o conhecimento, mesmo na arte, ou principalmente na arte.
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