terça-feira, novembro 13, 2007

- o carteiro -
Van Gogh pintou nove versões d’ Os Girassóis num vaso e mais quatro de girassóis cortados e pousados numa mesa como se fossem naturezas mortas. Em carta disse ao seu irmão Theo: "You may know that the peony is Jeannin's, the hollyhock belongs to Quost, but the sunflower is mine in a way." Pintou também 35 auto-retratos e desenhou 4. 6 retratos do carteiro Joseph Roulin…

Van Gogh
Fifteen Sunflowers in a Vase
1888
National Gallery, Londres



Estava muito cansado. Não era o trabalho, era a vida. Alguns dirão "infantil" ou "típico de um lírico com falta de jeito". Davam-me jeito os comprimidos; mantinham-me a dormir acordado durante o dia e obrigavam-me a arrastar o corpo entre a cama e o sofá várias vezes durante a noite à espera que o sono voltasse no momento em que carregava mais uma vez no comando. Quando caminhava era impossível olhar para o lado: fazer as duas coisas ao mesmo tempo tirava-me o chão. Era como se desaparecesse ou as minhas pernas perdessem força ou uma vertigem histérica me atingisse no meio da rua. O blog estava naquele estado lastimável: achava que estava a atingir o limite no que dizia respeito ao teor da postagem. Já tinha postado tudo, já tinha dito tudo, o que para além de ser mentira era uma valente presunção. Havia uma constante evolução que eu tinha de acompanhar sob pena de ficar com o neurónio mirrado graças à ausência de conteúdo pensável que o meu trabalho exigia. Achei que deixá-lo seria uma boa opção, mas faltava-me a coragem. E fazer o quê? E se o meu único talento fosse aquele que tinha a certeza não poder praticar e que no fim também não me podia sustentar nem um pouco. E se eu não fosse aquilo que às vezes acreditava ser porque há sempre quem seja muito melhor que nós e não me queria contentar com pouco.
Sentei-me ao lado das peónias que não pintei nem pretendia pintar por não ser esse o meu gosto. Olhava de lá o monitor branco à espera de algumas palavras. Todas me pareciam incipientes e quando as juntava, ridículas. Sabia que passava porque passa sempre e às vezes só é preciso ficar no cantinho em silêncio um bocado que tudo volta. Trabalhava muito para que tudo voltasse, mas esse tudo não fazia sentido. Comunicava através do monitor, das teclas, do que escrevia. Não via muita gente, não era apreciador da conversa, tinha perdido o gosto há alguns anos. Tentava não pensar nesses incidentes, que representariam na minha vida daí a um ano? Nada, tinha a certeza que nada ou muito pouco. Daí a dois então... Um fumo no ar, uma ou duas palavras e mais nada. Nada de grave, tudo passa. Mas nem tudo passa da mesma maneira. Umas vezes temos de ficar no cantinho, à espera que passe, outras temos de espernear. E eu movia-me numa cadeira de rodas mental.