- o carteiro -
Estes dois quadros de Caravaggio são, à semelhança do post de ontem na Formiga Bargante, mais um exemplo da duplicação de obras de arte. Muitos artitas fizeram-no não alterando nada, à excepção daquilo que a mão humana não podia deixar de alterar, mas neste caso a justificação existe e não é uma conjectura: Caravaggio copiava com frequência os seus próprios quadros, o que é uma benção para toda a humanidade. Como podemos ver, uma das versões está no Museu Capitolino em Roma e outra na galeria Doria Pamphili também em Roma. Quer dizer... os romanos ficam a ganhar mais do que nós. Mas há um Caravaggio em Espanha, no Thyssen-Bornemisza.
Caravaggio
St. John the Baptist
1600
Musei Capitolini, Rome
Caravaggio
St. John the Baptist
1600
Galleria Doria Pamphili, Rome
Notamos desde logo a semelhança na pose entre a personagem de São João Baptista e o Ignudi de Miguel Ângelo, no tecto da Capela Sistina que vai-se a ver, também é em Roma! (Vaticano). Há uma torção do corpo que é semelhante, embora Caravaggio tenha pintado São João segundo as suas próprias regras e princípios trabalhando através da observação de um modelo vivo. Vemos isso na forma como Caravaggio trabalha os músculos, menos definidos que os do Ignudi, menos robusto, mostrando mesmo um corpo misógino de um jovem. A própria posição não é a mesma, mas há uma identificação na forma como as figuras se apoiam: ambas usam o cotovelo (São João de Caravaggio usa o esquerdo – dele -, e o Ignudi usa o direito). São João finca-o em panejamentos para poder rodar o corpo e abraçar o carneiro, enquanto o Ignudi limita-se a um leve apoio nos frutos. A sua posição é muito menos natural e obriga a um esforço abdominal maior que no caso de São João. A iluminação a que foi sujeito é fria e dá-lhe uma aparência menos real. De resto, São João é completamente livre; só o cotovelo é ponto de força.
Michelangelo
Ignudi
1508-1512
Sistine Chapel, Vatican
O carneiro, como outros elementos em Caravaggio, emerge do fundo da pintura como se de repente tivesse sido iluminado por um holofote no palco de um teatro. Esse mesmo carneiro, animal sacrificial que representa Cristo quase toca o rosto do jovem. Outro elemento que relaciona o carneiro com Cristo é a videira, cujo sumo é o sangue de Cristo segundo a tradição bíblica.
Como sempre Caravaggio deixa no ar uma dúvida: se não fosse o carneiro e as uvas, este quadro seria apenas o quadro de um rapaz na puberdade que entre o atrevido e o envergonhado mostra o corpo.
2 Comments:
o "ignudi" (as coisas que eu aprendo neste belogue) lembrou-me o desterrado...
e para a escultura, não vai nada?
por acaso essa é uma falha minha. a matéria assusta-me.
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