segunda-feira, dezembro 11, 2006

- não vai mais vinho para essa mesa -


Oscar Wilde foi, como alguém disse, o primeiro artista pop. O escritor estetizava tudo o que o envolvia. A sua vida, por aquilo que conhecemos, parecia uma constante encenação, uma pantomina. Dele sabemos os aspectos mais “pops”, como as citações e os actos descarados de dandismo, do homem que utilizava o carro para atravessar a rua e que passeava uma lagosta pela trela. (Qual será a paranóia dos homens que fazem a História, pelas lagostas? Diz-se que em Capri um imperador romano que por ali tinha residência de veraneio – esperto – foi uma vez surpreendido por um pescador excitado que ao ter apanhado uma lagosta e ao saber que o seu imperador ali estava, subiu toda a escarpa e foi entregar-lhe o crustáceo. O imperador não reagiu bem, pensava que iam atacá-lo e esfregou a lagosta na cara do pescador até este ficar desfigurado).

Mas a propósito de Wilde, o que me interessa hoje é a sua obra mais conhecida, “O retrato de Dorian Grey” – relembro que conta a história de um jovem boémio que não vê os anos pasarem por si, mas pelo seu retrato, sendo este que acumula o peso dos seus vícios. No fim acaba por apunhalar o retrato e é encontrado morto… apunhalado no peito. Não sei se este é o primeiro exemplo de uma espécie de, primeiro uma autodestruição simbólica, a tal auto iconoclastia de que aqui já falamos, segundo de uma destruição da obra de arte, num período em que a obra de arte era, não a janela para o mundo, não o muro, mas o espelho. O mesmo aconteceu, lembrei-me agora, no livro “Loucura” de Mário de Sá-Carneiro. Nele, um homem enlouquecido pelos ciúmes, ataca (já não me lembro se mata, ou desfigura – outra vez a lagosta?) o objecto do seu desejo. No fundo o acto de Dorian Grey é o acto de muitos artistas de destruição do seu trabalho. Por vezes, a destruição física e definitiva do mesmo (como no caso da performance), outras, a destruição física momentânea do mesmo (como a tela que é rasgada mas permanece pendurada, pois a sua valência é o rasgo), outras ainda, a destruição através da negação (Magritte e o “Ceci n’est pas une pipe”, ou um outro que não lembro mas que escrevia numa tela “A obra de arte é inútil, vão para casa”). Em ambos os casos ou artistas utilizam a tela como superfície, como meio para a mensagem, sendo que elas próprias também são a mensagem), e por fim a destruição através da jocosidade da interpretação de elementos órfãos que quando acoplados deixam de ser uma coisa ou outra para serem simplesmente inúteis e aí passam a obra de arte (como “Roda de bicicleta” de Marcel Duchamp).

Marcel Duchamp
Roda de bicicleta


O que causa espanto a Dorian, ao homem de Mário de Sá-Carneiro, a nós quando vemos o quadro de Magritte, ou a roda de bicicleta de Duchamp é a desadequação entre aquilo que vemos e aquilo que pensamos sobre aquilo que vemos. O retrato de Dorian Grey era só uma superfície, a mulher de Mário de Sá-Carneiro era só um conjunto de átomos, o quadro de Magritte é um desenho com uma frase, a obra de Duchamp é apenas composta por dois elementos. Dorian Grey via-se a envelhecer, o homem de Mário de Sá-Carneiro via olhares gulosos à sua mulher por todos os lados, a frase de Magritte nega o desenho, a roda de Duchamp não permite que nos sentemos no banco.

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

l'art est inutile, rentrez chez vous - ben vautier - http://www.ben-vautier.com/

11/12/06 10:01 da manhã  
Blogger [A] said...

Acho que experimento algo do género todos os dias ao acordar...

11/12/06 10:17 da tarde  
Blogger Belogue said...

bem vindas!

12/12/06 9:03 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

minha crida,

ha ja muito que n lhe escrevo, mas hj, apesar do tempo me escassear , n pude deixar de o fazer!
Escrevo-lhe em jeito de telegrama para lhe dizer q vc esta cada x melhor, cada x + apurada, estilizada (sem nada de depreciativo), q as comparações e intertextualidades q estabelece são dum extremo bom gosto e de refinada inteligência!

Delicio-me ao lê-la, sempre que venho aqui para matar saudades da lingua portuguesa!

Gostava so de acrescentar q o personagem da loucura do Mario, que tb era Carneiro e q tb amava Paris, era o Raul Vilar, escultor, que amava + q tudo a sua mulher (ja n me lembro se se chamava Veronica), q considerava como a + bela criatura alguma x esculpida pelo Criador, e q tentou (n matar) mas desfigurar com acido, para poder mostrar-lhe q a amava incondicionalmente,muito + para além da sua beleza fisica, muito + p além da efemeridade dos sentidos, mas sobretudo pela profundidade da sua alma!

Vilar, não logrou realizar o seu escopo! ficou a meio, esteve quase a atingi-lo mas, (hélas!) faltou-lhe um golpe d'asa!!
como tudo no proprio Sa-Carneiro, esteve quase, mas qual Icaro, nunca chegou a atingir o seu fim.
A obra aqui, e + uma x em Sa-carneiro, n é sujeito principal!é apenas um veiculo, tela de projecção das suas obsessões, dos seus medos e sobretudo dos seus desejos!
A obra é o repositorio da decomposição (abstracta ou fisica);
dele,de Vilar,de Gray,de Wilde, etc,etc

O que lhes é inerente e transversal, para além do génio criador, é essa antitese entre esses 2 polos q se atraem e repudiam ao mesmo tempo, essa necessidade de destruir a criação, como que se de uma profissão de fé se tratasse e como se nada o pudesse impedir..
Ha como que um apelo biblico,uma marcha inexoravel entre alfa e ômega...do po que volta a ser po!

enfim ja n sei o q escrevo!
O cansaço assola-me.

Beijo (a) hj e sempre

14/12/06 2:19 da manhã  

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