quinta-feira, outubro 19, 2006

- não vai mais vinho para essa mesa -

Da adulação e da iconoclastia

André Malraux falava do porquê de não encararmos com a mesma seriedade, não sermos tão devotos, não adularmos da mesma forma uma Virgem que segura o menino com a mão, que cobre com o pano pobre o corpo do filho, e o seu representante na arte primitiva que podemos dizer serem as Deusas da Fecundidade.

Notre Dame
Virgin and Child
século XIV

As primeiras já num período pós-parto e as segundas num estado literalmente embrionário representam a mulher-mãe. A razão por não as adularmos da mesma forma é porque uma é um símbolo, e com isso corremos o risco de adorar a imagem e não a coisa representada por ela. Já no segundo caso, até o facto de não possuírem na maior parte das vezes rosto ou de estar este atrofiado dando todo o protagonismo ao ventre, torna a imagem mais propícia a que se sinta de facto isso. Nas inúmeras representações detalhadas da Virgem (a de Notre Dame, por exemplo), esta está de tal forma próxima do nosso universo que não se torna desumanizada, que nunca é um símbolo, não nos é estranha.

Venus de Willendorf
25000-20000 a.C.
Museu de HIstória Natural, Viena
No outro caso, a sua representação é generalizada e isso torna-a perigosa aos olhos da iconoclastia pois de facto o que se adora, o objecto da nossa veneração é um símbolo. Quanto maior o pormenor, menor o lugar para divagações, para imaginar o que não está lá, para completar a história de forma herética. Um exemplo muito acessível é o que nos chega dos Simbolistas. Os pintores simbolistas substituíam o objecto pelo símbolo e talvez seja por isso que são poucas as representações de cenas da vida de Cristo na pintura simbolista.
Obviamente esta questão desde sempre foi importante. Não se julgue que só com o advento da Reforma e a consequente resposta – a Contra Reforma – a Igreja tomou uma atitude face à representação de símbolos cristãos. Já antes do ano 1000 dois Concílios (no Oriente e no Ocidente) tinham acordado ser legítima a representação de símbolos cristãos. Nem podia ser de outra forma. À Reforma protestante, a Igreja responde com a enfatização do corpo humano. Veja-se o modelo das igrejas cristãs do período pós Contra Reforma que eram o espelho do corpo de Cristo crucificado.

Mas a crise iconoclasta está longe do fim. Se iconoclastas são os destruidores de imagens, se são os que no fundo derrotam o outro pela sua representação, muitas das nossas atitudes de hoje são iconoclastas. A forma como rasgamos a fotografia de um(a) ex-namorado(a) ou mesmo a forma como fazemos auto iconoclastia quando escolhemos para nós um modo de vida que é tudo menos um bocadinho hedonista.

1 Comments:

Blogger Má ideia! said...

fala por ti se achas que uma virgem em com um filho ao colo é algo próximo de nós. uma coisa gira de colecionar, que nunca tive oportunidade mas já vi são as pinturas que contém fetos de jesus e s joão flutuando ao lado das cabeças das mães ou em "radiografia" nadando-lhes na barriga.

16/11/06 1:29 da tarde  

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