segunda-feira, junho 26, 2006

- o carteiro -

A caminho de Bolonha, passando pela Vidigueira.

Serve a epígrafe supracitada dois propósitos: o primeiro para fazer com que os leitores do belogue leiam este post, o que por si só já é o segundo propósito. Uma frase pontuou a formação superior de muitos estudantes universitários. Quanto às aulas de 3 ou mais horas (havia aulas de desenho de quatro horas), era comum ouvir os professores sentenciarem: "a primeira nunca se dá e a segunda oferece-se". Quer isto dizer que havia a ideia instituída entre professores e alunos que era perfeitamente legítimo e apenas normal não haver a primeira hora de aulas e toda a gente sair da sala no fim da penúltima. Esta ideia, que é também prática, continua a ser a regra em muitas universidades portuguesas, mais em certos cursos do que em outros, mas no geral o horário não é cumprido. Tal não seria grave se víssemos pelos números estatísticos um bom aproveitamento dos alunos, números esses que até contrariassem a tese já abandonada de que o trabalho se realiza no local.

Mas vamos ao princípio. Antes de ingressarem no ensino superior, os alunos têm de passar pelo secundário e por tudo aquilo que já sabemos, o ensino secundário não dá a formação necessária aos mesmos para estes entrarem convenientemente no superior. Há os problemas práticos (falta de verbas, salas de aula sem equipamento, falta de professores), há os problemas sociais (alunos vindos de famílias disfuncionais, professores sem motivação nem vocação, auxiliares que trabalham "para cumprir"), há os problemas de definição (ensina-se o básico e deixa-se para a carteira dos pais e para os explicadores o resto do trabalho? a escola deve ter um papel de "amiga", de "educadora e avaliadora" ou de "mãe"? há maneira de conciliar as três?). Mas para mim o mais grave é o facto de as disciplinas serem estanques, o que leva a que o saber dos alunos, por melhores que se revelem as notas, seja sempre concentrado, volátil e incapaz de fazer a ponte entre as diferentes áreas. Dou um exemplo: dois alunos do 12º ano em conversa perguntavam a alguém mais velho se ao seguir História da Arte teriam "muita História" pela frente. A resposta obtida foi que sim, que uma coisa era inseparável da outra, mas os alunos não compreenderam porque para eles Erasmo de Roterdão não existia e por isso nunca tinha tocado a Contra-Reforma (matéria de História) e a Contra-Reforma não entrava no programa de História da Arte porque este era dado segundo movimentos balizados entre datas, com cerca de 6 nomes de representantes de cada período e meia-dúzia de linhas orientadoras, o necessário para dar uma resposta de uma página nos testes.

Perante isto, um aluno que entre no superior vai ser sempre um aluno com um saber epidérmico, e segue o seu curso com um certo medo que esta superficialidade do conhecimento seja desvendada em praça pública. Nada ajuda do lado dos docentes, uma vez que estes se limitam a debitar nas aulas as matérias da sua investigação, nem sempre condizente com o programa de ensino para aquele curso, mas que lhes leva muito tempo. Também lhes dá mais prazer, compreende-se. Quando se lê aqui que: "O Processo de Bolonha visa a construção de um Espaço Europeu do Ensino Superior que promova a mobilidade de docentes, de estudantes e aempregabilidade de diplomados", só se pode responder que perante este cenário, o mais importante não é uniformizar o ensino, mas fazê-lo. E se hoje os alunos saem do ensino superior com o mesmo fantasma do desconhecimento (agora mais confuso pois foi acometido de uma série de palavras-chave que não têm um fio condutor entre si), com a redução do tempo efectivo de curso que pressupõe a condensação, os alunos sairão no mesmo ponto em que saem do secundário. De facto o local não faz o estudo, a investigação; mas o tempo sempre pode levar a um compromisso maior entre partes.