segunda-feira, março 27, 2006

- ars longa, vita brevis -
hipócrates
Dia Mundial do Teatro

Mary Cassat
At the Theater
1879
Nelson-Atkins, Museum at Kansas City

(extracto de Arte, peça de Yasmina Reza)
Yvan (apontando para Antrios): Onde queres pendurá-lo?
Sergei: Ainda não sei.
Yvan: Porque não o penduras ali?
Serge: Porque ali é esmagado pela luz do dia.
Yvan: Pois é. Hoje lembrei-me de ti, no emprego estivemos a imprimir quinhentos cartazes de um tipo que pinta flores totalmente brancas sobre um fundo branco.
Serge: O Antrios não é branco.
Yvan: Não, claro que não. Também só estou a dizer.
Marc: Achas que este quadro não é branco, Yvan?
Yvan: Não completamente, não.
Marc: Então está bem. E que cores estás a ver…?
Yvan: Vejo cores… vejo amarelo, cinzento, linhas que são ocres, um pouco mais ou menos…
Marc: E achas essas cores apelativas?
Yvan: Sim…, acho essas cores apelativas.
Marc: Pois é, Yvan, é sinal de não teres carácter. És uma pessoa híbrida e fraca.
Serge: Porque estás a ser tão agressivo com o Yvan?
Marc: Porque ele é um pequeno lambe-botas servil que se deixa enganar pelo cifrão, que se deixa enganar pelo que considera ser cultura, cultura essa que, de resto, de uma vez por todas detesto.



Serge: Que bicho te mordeu?
Marc (para Yvan): Como és capaz, Yvan…? Na minha presença, na minha presença, Yvan?
Yvan: Na tua presença o quê?... Na tua presença o quê?... Acho estas cores apelativas, pois! Quer gostes quer não. E pára de quereres ser tu a definir tudo.
Marc: Como és capaz de dizer na minha presença que achas essas cores apelativas?
Yvan: Porque é essa a verdade.
Marc: A verdade? Achas essas cores apelativas?
Yvan: Sim senhor, acho estas cores apelativas.
Marc: Achas estas cores apelativas, Yvan?!
Serge: Ele acha estas cores apelativas, é um direito que lhe assiste.
Marc: Não, não tem esse direito.
Serge: Por que não tem esse direito?
Marc: Não tem esse direito.
Yvan: Não tenho esse direito?
Marc: Não!
Serge: Por que é que ele não há-de ter esse direito? Sabes que neste momento não estás nada bem. Devias consultar um médico.
Marc: Não lhe assiste o direito de dizer que acha as cores apelativas porque isso não é verdade.
Yvan: Então não acho as cores apelativas?
Marc: É que não há cores. Não as vês. E também não as achas apelativas.
Yvan: Talvez seja essa a tua verdade!
Marc: Que humilhação, Yvan…!
Serge: Mas afinal és quem, Marc? Quem és tu para quereres impor as tuas leis? Uma pessoa que não gosta de nada, que despreza todos e mais alguns, que faz ponto de honra de não ser um homem do seu tempo…