sexta-feira, fevereiro 17, 2006

O CARTEIRO
Pequena comédia sobre uma má obra de arte
Numa sala branca vazia, Manet e Degas admiram um quadro de Renoir. A pintura é Les Baigneuses.
Pierre Auguste Renoir
Les Baigneuses
1918
The Barnes Foundation, Pennsylvania
Manet – Ó Degas, olha bem para isto! O tipo está doido!
Degas (esticando o óculo para a pintura) – Isto é muito mau… Muito mau mesmo.
Manet – Não diria tanto Degas. Tem o seu valor artístico, tem técnica, é expressivo, tem noção da realidade…
Degas (guardando o óculo) – Não estou a falar disso Sr. Manet. Estou a falar…
Edgar Degas
1895
Fogg Art Museum

Manet (batendo nas costas de Degas) – Eu sei pá. Da falta de gosto. Isto é tão saloio, tão parolo que até me dá vómitos.
Degas – Exactamente. Isto revela mau gosto. Um artista que deseje pertencer ao restrito grupo dos impressionistas não pode fazer isto: privilegia a técnica e deixa o tema ao acaso.
Manet – Tens razão, isto é mau…
Degas – Não é o ser parolo, é que dá mau nome aos impressionistas.
Manet – Ah, isso…
Degas – “Ah, isso” o quê? O Sr. Manet também é um impressionista, ou esquece-se? Essa medalha de Chevalier de la Légion d’Honneur (enquanto leva a mão à medalha e a faz saltitar na palma da mão), denuncia-o.

Manet
Self Portrait with skull cap
1879
Bridgestone Museum, Tokyo

Manet – Mas eu nunca expus com vocês! O Renoir sim, eu não!
Degas – Isso não conta.
Manet – Ai conta sim. E a medalha… Olha pá, a medalha foi no fim da vida.
Degas – Mesmo assim… O seu apreço pelos temas do quotidiano e a sua pincelada rápida e curta fazem de si um impressionista…
(Entra Renoir de rompante)


Pierre Auguste Renoir
Self portrait
1875
Sterling and Francine Clark

Renoir – O Mantegna estava na sala ao lado e ouviu-vos falar mal das minhas banhistas.
Manet – Banhistas ou banheiras?
Degas – Sr. Manet, comporte-se!
Manet – É uma piada ó Degas. Large Bathers, Banhistas largas, Banheiras…
Renoir – Mas raios, será que vou ter de explicar isto muitas vezes? Estive em Itália, apreciei Rafael e achei por bem aplicar o tema.
Degas – Caro Renoir, a gente compreende.
Manet – Na boa Renoir! Eu também tive o meu período espanhol!
Degas – Pois…
Manet – Só que foi muito melhor que o teu período italiano.
Degas – Sr. Manet, então?
Renoir – Eu estrafego esse pulha, esse, esse…
Manet – Esse quê?
Renoir – Esse copiador de composições clássicas de Ticiano!
Degas – Ena, ena! Isto agora é que vai ser!
Manet – Eu não aguento mais. Tu segura-me ó Degas.
Degas (separando os dois e afastando Manet) – Ora acalmem-se. Acalme-se Manet. Caro Renoir, essa é uma acusação muito séria. Sabe que depois do romantismo, acusar alguém de copiar é ultrajante, principalmente para um artista.
Renoir (sacudindo as roupas e ajeitando-as) – Eu sei, mas aquilo que disseram das minhas banhistas também é ultrajante.
Manet – Elas são de um mau gosto pá!
Degas – Elas são de um mau gosto!
Manet – Diz “pá”!
Degas – Eu sou um senhor.
Renoir – Um senhor cegueta, ou pensas que eu não sei que agora para o final já não vias nada. Estavas cegueta, é o que é.
Manet – Agora já o tratas por tu, ó parolo?!
Renoir – “Se a pintura não fosse um prazer para mim, por certo não a faria!
Degas – Isso é tudo muito bonito, mas o quadro não deixa de ser de mau gosto.
Renoir – Deixem a História decidir.
Manet – A gente deixa… Mas tu já ouviste o que andam a dizer do Fragonard e do outro, do…
Degas – do Boucher.
Manet – Pois, esse… Parolos! Vão ficar para a História como parolos.
Renoir – E tu como pornógrafo. O Larry Flynt inspirou-se em ti, ó copiador pornográfico?
Manet – É agora Degas, é agora! Eu vou-me ao tipo…
Degas – Senhores, então?! Tenham respeito pelos mortos e pela arte. Já estou a perder a paciência. Esse quadro é uma mancha nos impressionistas, Sr. Renoir. Aliás, esse e “O Balouço”.
Renoir – Deixe a História falar Sr. Degas! A História vai-me colocar nos impressionistas sem mácula. A História não fará distinções entre quem pinta mais ao estilo italiano e é francês, e quem pinta mais cenas espanholas.
Degas – Temo por si.
Manet – Devia temer por nós.
Degas e Renoir – Por nós?!
Renoir – Pensava que não eras um dos nossos…
Manet – É uma maneira de falar. Por nós, pelos consagrados.
Renoir – Ah, agora já te consideras um consagrado. Não queres esperar um bocadinho mais de Eternidade? Mais um século ou dois para depois poderes dizer se és consagrado ou não.
Manet – Tenho o meu Déjeuner sur l’herbe, tenho a minha Olímpia…
Degas – Mulheres nuas, mulheres nuas…
Manet – As Histórias de Arte falam de mim, figuro nos dicionários de Arte, que mais posso querer?
Renoir – Que o futuro legitime a tua arte.
Manet – Mais futuro? Já estamos aqui há tanto tempo, temos todo o futuro do mundo e não podemos fazer nada com ele.
Aproxima-se sorrateiramente Andy Warhol, a andar junto às paredes e a fazer desenhos no chão com o pé.


Andy Warhol
Self portrait
1967

Renoir – Mas quem é você?
Degas – Quem? Onde? Não vejo nada.
Manet – Senta-te Degas que ainda tropeças em ti. Está ali um tipo com cara de puto traquina.
Renoir – Quem é o senhor? O que faz para estar aqui no círculo dos pintores? Acabou de chegar?
Warhol – Olá. O meu nome é Warhol, Andy Warhol.
Renoir – Nunca ouvi falar.
Manet – Eu já. Um dia destes estava à varanda…
Degas e Renoir – À varanda?
Degas – Caro Manet, não sabe que não deve andar a espreitar lá para baixo?
Manet – Eu sei, mas queria saber como andam as coisas na vida.
Renoir – Então e conheces este tipo da varanda?
Manet – Não, ele não estava na varanda; estava lá em baixo. Parece que está a ter sucesso na América. Só não compreendo o que faz aqui. O que faz aqui cavalheiro?
Renoir – Sim, o que faz aqui?
Warhol – Não sei bem?! Levei um tiro de uma senhora chamada Valerie Solanos em Junho do ano passado, fui operado à vesícula e de lá para cá vou e venho, vou e venho…
Renoir – Como assim?
Warhol – Nos meus sonhos venho até cá acima, vou até à sala de escultura da Renascença, mas quando acordo estou lá em baixo.
Renoir – Então sabe o que a história pensa das minhas banhistas! Diga-lhes, diga-lhes o que todos pensam: tenho a certeza que é bom.
Warhol – Teria muito gosto, mas eu estou vivo, só venho cá de passagem.
Manet – Estás a ver?!!!
Degas – Deixe-o falar! Que diz a História cavalheiro?
(Entra o Mercúrio de Jean Boulogne)


Jean Boulogne
1585
Mercúrio
Kunsthistorisches Museum, Viena

Mercúrio – A História diz que a operação de ontem à vesícula correu mal e o Sr. Andy Warhol… é assim que se diz?
Warhol – É, sou eu. O que foi?
Mercúrio – Olhe, está morto. Assine aqui no X. E bem-vindo, escolha uma sala que ainda não temos uma para a Pop Arte. Mas da maneira como vocês se metem em coisas estranhas, muito em breve teremos uma. Ora bem vindo e boa estadia.
Warhol – Então estou morto? A operação correu mal?
Mercúrio – Correu muito mal.
Renoir – Então quer dizer que como “os mortos não falam” nunca vamos saber o que é que a História pensa das minhas Banhistas?
Mercúrio – O que a História pensa não, mas o que Ele pensa (apontando para cima)…
Degas – Ele?
Manet – Ele?
Renoir – Ele?
Warhol – Ele quem?
Mercúrio – Ele!
Warhol – Ah, Ele!
Mercúrio - … Isso vamos!
Renoir – E o que é que ele pensa?
Mercúrio desembrulhando um papel – Ele manda dizer para o Irmão Renoir retirar o quadro da sala porque está a ficar indisposto, com mau estar matinal, diarreia…
Manet – Ugh!
Degas – Ugh!
Warhol – Ugh!
Mercúrio - … já há moscas cá em cima…
Manet – São as moscas mortas. Vêm muitas das pastelarias e dos talhos.
Mercúrio – E isto não é uma loja de Cd’s pimba.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

genial!!!!


la la la la lalalalala!!!
O Renoir està chateado e os Belle and Sebastian cantam para o animar!!!lallalallallalla

18/2/06 8:41 da tarde  
Blogger Belogue said...

Caro Ed:
Leve-me embora daqui e já.

19/2/06 3:54 da tarde  

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