- o carteiro -
Vincent Van Gogh
Sunflowers
1888
National Gallery, Londres
o sr. leonel (nome fictício) anda nas obras. não como capataz, não. nada disso. o sr. leonel assenta tijolo, faz massa, lava a talocha e a espátula, faz um lanche às 10h, almoça ao meio-dia e sai às 17h. todos os dias, todo o ano. nem sempre foi assim. a esta hora "podia 'tar rico, mas não tibe cabeça", disse-me ele agitando a pá no ar. gastou tudo em mulheres, champanhe... aos 61 anos, e sem grandes predicados, a natureza deu-lhe um motivo de vaidade, vaidade essa que ele talvez não tenha, mas que eu sinto como uma afronta pessoal: à excepção de umas cãs nas têmporas, todo o cabelo é negro. e não, não é pintado. foi jogador da bola no boavista, no leixões e outros clubes da zona. depois, e porque "adoro dançar, adoro, pronto. e de bez em quando ainda bou. foxtrot, salsa, passo doble", arranjou, com um sócio, um clube de danças de salão. nos anos 90 orientou o seu negócio para outra área: tornou-se proprietário de uma carinhas larocas que alternavam em Penafiel, Marco, Sto Tirso, Porto... Não era proprietário das casas, mas das meninas. "Dormi com todas. e ainda são minhas amigas. ainda me ligam muitas vezes". privava com a realeza do alterne, tratava-os a todos por tu. fez malabarismos com as meninas, com os clientes, com os concorrentes e com o champanhe a 200 euros a garrafa, espalhado no chão quando o cliente ía fazer o seu xixi. depois assentou. casou com uma mulher "mesmo linda. mesmo, mesmo linda. às bezes até tenho vergonha de 'tar ao pé dela porque eu pareço um bandalho". mas ela não sabe da minha bida antes de casar. ui, nem pensar!". agora amarga... a mulher submeteu-se a uma dupla mastectomia por causa de um cancro, mas "sabe como é, baidade das mulheres, 'ah e tal, aquela é assim', sabe?" fez uma reconstrução que não correu bem. Também já lhe removeram o útero e os ovários. "a minha mulher não quer saber de biber. chego a casa e tenho de fazer o jantar porque por ela, tá quéto. anda do sofá pra a cama. só dorme, não sai comigo... Já fomos às Canárias, a Ibiza, a Barcelona... e agora, nada. o que bale é que eu amo mesmo a minha mulher. bocê é casada?". respondo que não. "e tem namorado?". respondo que não. "o amor... o amor é uma ilusão, uma firma: 'dá cá isto que eu dou-te aquilo', o amor hoje é sexo. às bezes saio com uma amiga, só pra conversar, mas elas só querem sexo. prefiro uma conbersa com uma mulher em condições do que sexo." enquanto come a marmita pensa no suicídio, numa forca salvadora em pleno local de trabalho que o libertará da brutalidade da vida.
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