quinta-feira, dezembro 10, 2015

acordar, sorrir, mentir, fingir, reflectir, arrepender, culpar, comer, comer, comer, comer, prosseguir, dormir

repetir

9 Comments:

Anonymous anónimo said...

Tudo desde sempre. Nunca outra coisa. Nunca ter tentado. Nunca ter falhado. Não importa. Tentar outra vez. Falhar outra vez. Falhar melhor.

Samuel Beckett, Pioravante Marche (Worstward Ho [1983]),
trad. de Miguel Esteves Cardoso



All of old. Nothing else ever. Ever tried. Ever failed. No matter. Try again. Fail again. Fail better.
---tradução alternativa:
“Ten¬taste sem¬pre. Sem¬pre falhaste. Não te apo¬quen¬tes. Tenta de novo. Falha de novo. Falha melhor.”

11/12/15 1:52 da tarde  
Blogger Belogue said...

Caro anónimo:

muito obrigada pelo comentário em jeito de "miúda, aguenta!". Nunca li Beckett, veja lá! Agradeço-lhe mais uma vez o comentário, mas o meu post prendia-se com outras coisas. Por um lado, com o facto de me estar sempre a analisar, a ver se não fiz nem disse nada de errado, a pedir desculpas por tudo, a ser conciliatória, boazinha, mesmo quando os outros não retribuem; por outro lado, com o marasmo que a minha vida se está a tornar e que temo, seja irreversível. Tenho medo daquilo em que me estou a transformar.

E quando "falhar outra vez" não significa "falhar melhor"?

13/12/15 12:01 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

o que significa "falhar melhor"?

14/12/15 2:02 da tarde  
Blogger Belogue said...

Aprender com os erros e não voltar a cometê-los.

15/12/15 9:17 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Talvez, mas isso é distorcer o sentido literal da frase. "Falhar melhor", à letra, deveria ser: falhar ainda mais profundamente.
Recomeçar. Voltar a falhar. Perpetuamente. Eleger o fracasso como horizonte, reconhecer a mudança sempre presente.

“…ser artista é falhar, como ninguém jamais ousou falhar, o fracasso é o seu mundo e recuar diante dele é deserção, artesanato e habilidade, prendas domésticas, vida.”
---Samuel Beckett, “Three Dialogues”, Transition [Paris], Dez. 1949

Assumir que o fracasso é aquilo que nos cabe. Recuar seria desertar, resignar-se ao automatismo, tornar-se uma máquina de fotocópias.
Beckett está aqui a referir-se ao artista - que recusa fórmulas, escolas, ‘estilo’ adquirido, e sempre, de novo, se debate sempre com a obra, na obsessão de representar o irrepresentável; a “expressão de que nada há a expressar(…) nenhuma possibilidade de expressar, nenhum desejo de expressar, aliado à obrigação de expressar (ibid.). Mas esse ideal pode ampliar-se, tornar-se uma postura perante as coisas e o mundo, converter-se num horizonte existencial.

Habitualmente temos medo do fracasso. É essa a razão por que Donald Trump é tão apelativo ao americano médio [i.e., estúpido]: o medo de ser um fracassado, um “loser”, um perdedor.
“Se és imigrante ilegal, és um perdedor. Se és capturado numa guerra, como John McCain, és um perdedor. Se tens uma incapacidade, és um perdedor. E depois há os vencedores, especialmente ele próprio [Donald Trump], com repetidas referências à sua fortuna e ao seu sucesso e inteligência."
---Jennifer Mercieca [Universidade Texas A&M], cit. por Alexandre Martins, “Um país dividido entre Donald, o grande líder, e Trump, o demagogo”, Público, 8/ 12/ 2015.

Tememos o fracasso mas simultaneamente sentimos que, como dizia Cioran, todo o homem de sucesso contem em si algo de charlatão.
---“Hay algo de charlatán en todo aquel que triunfa, sea en la materia que sea.” E.M. Cioran, Ese Maldito Yo [Aveux et anathèmes], Barcelona: Tusquets Eds., 1987, p.29

17/12/15 12:25 da tarde  
Blogger Belogue said...

Olá anónimo, bom dia. Respondo logo à noite, se não se importar.

18/12/15 9:45 da manhã  
Blogger Belogue said...

Olá anónimo, boa noite.

Acho que estamos a falar/escrever sobre duas coisas diferentes. Uma delas, aquela defendida pelo beckett, diz que o fracasso como horizonte (gostei da expressão) é potenciador de evolução, de mudança, de melhora. Mas essa é a perspectiva lírica da coisa. Tenho a certeza que se o beckett se sentisse um fracasso todos os dias, ou se todos os passos dele fossem escrutinados por alguém que o menorizasse, o fracasso não seria um horizonte. A outra coisa de que estou a falar é do fracasso constante, do sentir-se um perdedor porque o meio em que nos inserimos nos atira com modelos que não são os nossos. Que fazer?: sucumbir, tornarmo-nos hipócritas, lutar contra isso mesmo que tal implique ter, de vez em quando recaídas que nos fazem questionar tudo? É deste último fracasso que falo, um fracasso que não consigo resolver com as palavras do beckett.

Vou embora, meditar (estou a brincar). Até breve

19/12/15 12:14 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Boa noite, Beluga (ou beluga?).

Em primeiro lugar, não gostei de ver o Beckett assim diminuído, o seu nome escrito (propositadamente?) com minúscula. Em segundo lugar, o fracasso-horizonte é "potenciador de evolução, de mudança" sim, mas não de "melhora". Por alguma razão o texto se chama "Worstward", palavra inexistente que aquele tonto do MEC traduziu por "Pioravante" (e uma das poucas coisas boas que ele fez foi esta tradução!)

Se o Beckett alguma vez permitisse que "todos os seus passos fossem escrutinados por alguém que o menorizasse", talvez se sentisse realmente um trapo. Mas não me parece muito possível, geralmente era ele quem fazia isso aos outros. Já ouviu falar da maneira como tratava os actores? O homem era um autêntico picuinhas, um obcecado com a fidelidade ao texto e com as indicações cénicas sobre como deviam processar-se as movimentações das personagens em palco. E como encenador também era ruim de aturar. Encenou alguns dos seus textos – e traduziu-os também, possivelmente queria um controle total sobre a obra (que, contudo, estava sempre a reescrever… curioso, teria pretensões de “melhorá-la”?)

Bom, seja como for, foi extremamente agradável discutir este assunto consigo.
Até breve!



19/12/15 6:47 da tarde  
Blogger Belogue said...

Caro Anónimo:

peço desculpa pelo "beckett" em vez de "Beckett". Estava a escrever no telemóvel e as maiúsculas custam mais...
O MEC trouxe boas coisas para Portugal naqueles tempos. Coisas da literatura e da música.

Estive a informar-me e não fiquei com essa ideia dele. Bom, vi um documentário da vida dele e um documentário é sempre uma manipulação, pois expressa a visão de uma pessoa ou de um grupo de pessoas. De facto em "Os dias felizes" e nas leituras dos seus textos para a Radio BBC o Beckett foi picuinhas, mas os actores pareceram satisfeitos. Ninguém o tinha por um intelectual a tempo inteiro. Era, pelo contrário, um tipo divertido que gostava de ver desporto na televisão e que não estava sempre a discorrer sobre temas complexos. Há autores que após escreverem e publicarem o texto, acham que este deixa de ser deles. O Beckett queria maior fidelidade ou queria levar a ideia dele avante.

Todos os dias no meu trabalho passo por uma citação do Beckett:

"Apenas as palavras quebram o silêncio, todos os outros sons cessaram. Se eu estivesse silencioso, não ouviria nada. Mas se eu me mantivesse silencioso, os outros sons recomeçariam, aqueles a que as palavras me tornaram surdo, ou que realmente cessaram. Mas estou silencioso, por vezes acontece, não, nunca, nem um segundo. Também choro sem interrupção. É um fluxo incessante de palavras e lágrimas. Sem pausa para reflexão. Mas falo mais baixo, cada ano um pouco mais baixo. Talvez. Também mais lentamente, cada ano um pouco mais lentamente. Talvez. É-me difícil avaliar. Se assim fosse, as pausas seriam mais longas, entre as palavras, as frases, as sílabas, as lágrimas, confundo-as, palavras e lágrimas, as minhas palavras são as minhas lágrimas, os meus olhos a minha boca."

Boa noite e até breve! (bom ano novo)

27/12/15 1:18 da manhã  

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