- não vai mais vinho para essa mesa -
tinha de apanhar três metros. parecia pouco mas eram muitos quilómetros: ía de uma ponta à outra das linhas e quase as contemplava a todas, a verde, a azul e a amarela. Quando saiu no final da verde e se preparava para subir a escadaria, a maldizer a sua vida e mais a mala que, até aí não sabia, mas tinha mais do que os 30 quilos permitidos, tudo em coisas pequenas e sapatos, porque “mais vale ter opções”, um homem alto, daqueles que à nossa frente tapam o sol, barrou-lhe a passagem. os olhos do homem olhavam para baixo, os seus ficaram parados nos botões da camisa do homem. “eu levo”, disse ele com um certo sotaque. e enquanto tentava em vão demovê-lo, que não era preciso, que tinha tempo, que não estava assim tão pesada (onde estão os elevadores quando precisamos deles?), o homem pegou na mala com uma só mão e toca de subir as escadas. e colocar a mala nas rolantes. e levar até à plataforma para o próximo metro. não falavam. no metro senta-se ao lado do homem que não largava a mala. começa o interrogatório: “para onde ir?”, “tu não ter família?”, “onde está tu família?”, “porquê família não carregar mala?”. todas as perguntas respondidas com frases curtas e desconfiadas (“daqui a nada estou numa rede de prostitutas de leste e nem dou por isso”). altura de mudar de linha. despedidas feitas e perdem contacto no meio do turbilhão. “ter amigos espera?”, “hummm, ssssim…”, “pronto, aqui mala”, “obrigada, muito obrigada, não era preciso, o trabalho que teve…”. passa gente, a distância entre ambos aumenta, escolhe umas escadas, o homem escolhe outras. encontram-se outra vez, mas seguem direcções diferentes. antes de chegarem à plataforma pergunta o homem: “ir tu para ali?”, “não. vou para o outro lado”. o homem pára para pensar dois segundos e volta a dizer “eu levo”. seguem juntos no metro, sempre com um olho na mala e outro no homem; ele sempre com olho fixo no infinito. no fim da linha e fim da viagem o homem carrega a mala até ao torniquete e diz: “sair aqui?”, “sim. não sai?”. ele passa-lhe a mala para a mão e desarma: “eu ir para outro lado”, “então veio aqui de propósito…?”, “sim. muito feliz para tu”. e não era natal.
1 Comments:
que booooom
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