- o carteiro -
Segundo o movimento evangélico americano a virgindade pode ser recuperada após cerca de dois a três anos de celibato. Não sei se isto parece a alguém uma piada, nem sei qual a razão desta directiva da igreja americana ser apenas para mulheres. Obviamente a virgindade feminina e masculina são diferentes, até pelas razões físicas conhecidas e pelas definições (uma mulher deixa de ser virgem quando o hímen é rompido, mas continua virgem uma mulher que teve sexo anal, mas nunca vaginal? E continua a ser virgem uma mulher cujo hímen rompeu acidentalmente? Ou deixa de nascer virgem uma mulher que nasceu sem essa membrana?). Não vou prolongar o sofrimento dos leitores do Belogue. Não vamos falar mais de hímen, até porque ao longo da história a própria história foi-nos mostrando que todos esses significados se perdiam em raízes culturais, cultos e ritos, crenças e alguma bruxaria que mais do que exorcizar o acto, elevava a uma categoria superior, não quem era virgem, mas quem ainda tinha a virgindade. Coisas diferentes, portanto.
Das primeiras referências à virgindade estará a Antiguidade grega e a sua mitologia e também à astrologia. Diz-se que para preservar a virgindade da deusa Diana que estava quase a ser violada por Orion, o escorpião o picou no pé. A partir daí e já mais tarde, as jovens que eram menstruadas pela primeira vez recebiam do pai um escorpião de bronze, uma verdadeira arma, pois era uma peça articulada que tinha mesmo esse propósito; atacar quem desejasse violar a rapariga. A Virgindade de Maria terá sido, segundo os menos crentes, uma manobra política. Uma vez que estava profetizado que Deus se faria carne e que viria ao mundo sob a forma de homem, para que o dogma da Santíssima Trindade não levantasse dúvidas era necessário que esse homem fosse um ser comum, com uma mãe. Podia escolher-se entre uma descendente directa de David ou uma jovem do povo. E foi escolhida a jovem do povo.
Desde a Idade Média, a virgindade era algo valorizado tanto pela sociedade secular como pela regular; ou seja, era valorizada por todas as classes. Para a aristocracia, a virgindade era sinónimo de alianças privilegiadas entre famílias. (já ouviram falar da expressão “fruta tocada”? A rapariga que já tivesse iniciado a sua vida sexual e procurasse casamento, via-se colocada numa posição inferior numa escala de preferência para a família do noivo, face a candidatas virgens.) Para o clero a importância da virgindade na rapariga comum é facilmente compreendida: a mulher virgem era uma seguidora de Maria e por isso estava mais perto da perfeição. Para uns a virgindade era sinónimo de corpo incorrupto e daí a tónica no físico, enquanto para outros a virgindade era sinónimo de alma sem mácula; ou seja para a religião a virgindade era uma questão de espírito. A ideia do selo da virgindade, o lençol manchado de sangue nasceu na Manchúria. Aliás, Manchúria quer dizer “mancha de lençol”, mas os antigos diziam que a virgindade de uma mulher estava no seu coração e não na sua anatomia. Era mais ou menos assim.
Até ao século XVIII a medicina alertou para os perigos da virgindade que se mantinha por muito tempo: quanto mais tarde a mulher perdia a virgindade mais perigos para a sua saúde poderiam daí advir e este comportamento era associado a uma saúde fraca. Depois da Refoma, quando o tema da castidade foi revisto (veja o exemplo da Sabat Matter surgida depois da Contra-Reforma e que abordava Maria como uma mulher mais sábia, mais madura), manter a virgindade era suspeito, tal como era suspeito evitar o casamento e a maternidade. No entanto houve virgens na nossa história que nos ensinaram que uma coisa não estava relacionada com a outra. Veja-se o exemplo de Joana D’Arc que escondeu a sua feminilidade sob trajes masculinos para defender a sua Fé e acabou condenada por ela por não se ter comportado como uma mulher. A Igreja e a sociedade defendiam acirradamente e mais depressa a mulher do que a guerreira. A virgindade era um valor acima de qualquer outro que tinha de ser mantido dentro de um contexto já pré-definido. Outro exemplo é, segundo dizem, a rainha inglesa Elizabeth I. (Fala-se da sua virgindade em prol do povo inglês, mas já troquei ideias com quem desconfiasse muito desta virgindade). Elizabeth I é, tal como Joana d’Arc a mulher que se veste de homem e vai para o meio dos homens, não para lutar, mas para incentivá-los, Neste caso a sua indumentária funciona como propaganda, elemento persuasivo, da mesma forma que os uniformes dos oficiais nazis transpiravam seriedade, beleza, confiança, credibilidade e vitória. O ponto em que Elizabeth difere de Joana d’Arc é que uma era casada com a sua Fé e a outra com o seu país.
As mulheres virgens foram sempre apreciadas pela sociedade: ou serviam propósitos religiosos e eram admiradas pois transcendiam a natureza humana, ou serviam propósitos sociais e familiares e eram admiradas pela sua dedicação, ou serviam propósitos da guerra e eram admiradas por desafiarem o poder patriarcal. O pensamento era e é inverso em relação ao sexo masculino. E ao contrário do que a sociedade ocidental faz crer, este tipo de pensamento é vigente e não é apanágio de organizações ou ideologias conservadoras: Bill Clinton fundou programas escolares que promoviam a abstinência sexual. Bush deu-lhes continuidade. As estatísticas mostram que os jovens que recebem esse tipo de educação realmente atrasam a sua iniciação sexual, mas quando o fazem, fazem-no sem protecção.
Domenichino
The Maiden and the Unicorn
c. 1602
Palazzo Farnese, Roma
O unicórnio é um dos atributos das virgens. Segundo a lenda, os unicórnios procuram refúgio no colo de virgens, como uma alegoria da castidade. As duas figuras representam ainda mais essa castidade quando o pintor as desloca do centro da composição para a margem esquerda e confere-lhes uma expressão de calma e introversão.
2 Comments:
Como diz um amigo meu, virgem hoje em dia só se ainda só tiver 6 anos e for muito feia.
parece-me que o seu amigo perdeu uma boa oportunidade para ficar calado.
Enviar um comentário
<< Home