quinta-feira, julho 12, 2007

- o carteiro -

Aquilo que alguns chamam de Sectarismo, podemos chamar nós de idiossincrasias artísticas e temporais que condicionam a forma como os mesmos temas são tratados de formas diferentes consoante o país, a religião, as encomendas e quem manda. Já aqui tínhamos falado do S. Mateus e o Anjo de Rembrandt por oposição ao S. Mateus e o anjo de Caravaggio. Um protestante e outro, que não sendo o melhor exemplo de um católico devoto, retratava a forma como se entendia essa passagem religiosa, mostram como a religião condiciona a visão do mesmo tema. O S. Mateus de Caravaggio como um analfabeto, um tipo de campo, com as unhas sujas e os dedos grossos, confuso e um anjo diligente que lhe pega na mão. Uma provocação de Caravaggio, também. O S. Mateus de Rembrandt, mais autónomo, pensativo a expressar essa relação directa e privilegiada com Deus própria do protestantismo. Mas este exemplo é apenas um entre vários.

Enquanto Botticelli (1445-1510) pintava figuras idealizadas, já a prenunciar o Renascimento, belas e proporcionadas, enquadradas por uma beleza idílica e perfeita que não ofuscava no entanto as os deuses e as ninfas e mesmo as figuras religiosas, Dürer (1471-1528), um coetâneo, pintava as mesmas figuras religiosas sem preocupações com a serpentinatta, nem com a proporção das 10 cabeças, nem mesmo com a concordância entre o ambiente e o ser exposto. Dois exemplos: Botticelli pinta uma Vénus, Dürer pinta, no máximo, Adão e Eva. Temos aqui diferenças religiosas, mas também da própria vivência dos autores. Note-se que não se trata de estilos artísticos diferentes que coexistiram no tempo em reinos diferentes. Estávamos no início do Cinquecentto, não havendo portanto e ainda movimentos artísticos balizados temporalmente nem com características únicas.

Outro exemplo é o que nos chega de Espanha, onde a encomenda artística era acima de tudo clerical. Ao contrário do que aconteceu em Itália com Caravaggio - que pintava todos os temas religiosos conforme lhe aprazava - em Espanha, pintores como Zurbarán limitaram-se ao que era pedido, em parte devido à Contra-Reforma que como sabemos, e perante a ameaça iconoclasta e anabatista do protestantismo, procurou enfatizar a imagem como forma de impressionar e persuadir os crentes. A imagem "falava", uma vez que a maior parte das pessoas não sabia ler e o acesso aos livros era restrito. Era uma forma de promover os símbolos da fé.