- não vai vinho para essa mesa -
O quarto de cima
Do quarto de chegam barulhos desconfortáveis. A cama a ranger é-me tão desagradável – pelo som somente, nada contra o acto que adivinho – quanto o deve ter sido para as costas dela. Pensei em subir, tocar à campainha e dizer: “olhe, importava-se de colocar uma mordaça na boca da sua namorada sefáchavor? Obrigadinho.”, mas achei melhor não. Afinal, é noite do dia de namorados e a tradição ainda é para cumprir. Continua a fazer-se à noite aquilo que também se podia fazer de dia.
Do quarto de chegam barulhos desconfortáveis. A cama a ranger é-me tão desagradável – pelo som somente, nada contra o acto que adivinho – quanto o deve ter sido para as costas dela. Pensei em subir, tocar à campainha e dizer: “olhe, importava-se de colocar uma mordaça na boca da sua namorada sefáchavor? Obrigadinho.”, mas achei melhor não. Afinal, é noite do dia de namorados e a tradição ainda é para cumprir. Continua a fazer-se à noite aquilo que também se podia fazer de dia.
Ao dar uma volta pela cidade – ali um senhor a passear o cão, na Praça do Peixe as prostitutas gordas, naquele edifício encontraram um cadáver esta semana – notei que a celebração do Dia dos Namorados veio para ficar. Ainda que se multipliquem as respostas “é um dia como os outros” ou a muito sensaborona “quando se gosta todos os dias são dias para namorar”, toda a gente gosta de receber alguma coisa (mesmo as coisas mais hediondas), toda a gente sai para jantar, toda a gente tem um brilhozinho nos olhos, que não percebi ainda se é acompanhado de um “grãozinho na asa” ou se é o prenúncio de uma cama que range.
Não era eu que caminhava, eram os outros que vinham na minha direcção: rostos felizes a balouçar sacos com laços, elas muito apressadas, atrasadas no banho e nos cremes e nos cheirinhos e na roupa, “Meu Deus, a roupa”. Elas a deixarem a cabeça esquecida no ombro deles, a tirarem fotografias ao casal a esquecerem o resto dos dias. Eles contentes por elas estarem contentes, mais descontraídos, o futebol ia começar. Eles cheirosos, a cheirarem o pescoço delas a dar dentadinhas e a sibilarem no ouvido. Do lado esquerdo do Rossio, senhores e suas senhoras bem vestidos entravam para o hotel, os barcos esperavam engalanados os clientes, toda a gente com o coração voltado a Deus. Alguns, poucos e sozinhos olhavam para mim à espera de uma resposta, de uma identificação, de uma cumplicidade. Compreendo-lhes a necessidade, mas admiro o dia, não o abomino. Não me considero de uma ou outra categoria, até porque este não é só o Dia dos Namorados, é o Dia Europeu da Disfunção Eréctil e nessa área, nada a declarar.
1 Comments:
e do doente coronário também
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