terça-feira, setembro 13, 2005

O CARTEIRO


Numa noite quente de Julho de 1878, entre dois copos de xerez, Eça de Queirós escrevia: "... tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo conduzia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações...". Tinha escrito um dos parágrafos do Primo Basílio.
Mais de um século depois, Marisa Monte cantou esse mesmo parágrafo, acompanhada por um "Amor I love you, amor I love you, amor I love you, amor I love you."
A personagem do conselheiro Acácio de "O Primo Basílio" é uma espécie de homónimo português do PrudHomme, personagem do livro de Henri Monnier, uma caricatura do pequeno burguês, sempre com uma banalidade na ponta da língua. Existe também um Prud'hon (Pierre-Paul), pintor francês que pode ser visto - para quem pode - no Louvre, e o Proud'hon (Pierre Joseph), operário, tipógrafo, autodidata e anarquista que escreveu em 1840 o livro "O que é a propriedade?" sobre a organização social.
Para terminar, uma cançãozinha (ler com alguma cadência, por favor):
"Chegou o carteiro das nove p'ras dez a vizinha do lado de roupão enfiado chegou-se à janela em bicos de pés e logo gritou:"Traz carta p'ra mim?"e o carteiro que é gago espera um bocado e responde-lhe assim:"Não não não não não não não não trago nada só só só só só só trago o pacote da sua criada"

Sérgio Godinho, "Chegou o carteiro"