- o carteiro -
e o Homem criou Deus... (XX)
Como vimos, os textos de um filósofo em particular foram importantes para a formação de um novo espírito a Ocidente. Os textos eram de Aristóteles cuja lógica - lógica aristotélica - tornaram-se as bases para a alteração de pensamento, passando da contemplação interior, para a observação exterior do mundo. Um paradigma disto é o estudo sistematizado do corpo humano através de dissecações (proibidas em muitas cortes, principalmente as cristãs). Para preservar os valores cristãos, Igreja e Estado unem-se frequentemente para suprimir os avanços científicos. Mas ainda mais frequentemente unem-se para travar, na Europa, uma luta pela propriedade, pelo poder e pelas almas humanas. É isto que marca o segundo milénio do cristianismo.
De forma crescente, os dirigentes das nações emergentes aliam-se aos reformistas protestantes contra o poder de Roma. E não há nenhum lugar onde isto seja mais visível e exemplificativo do que em Inglaterra. Na Inglaterra do início do século XVI, Henrique VIII, um católico devoto (o Papa chega a dar-lhe o título de "Defensor da Fé") tem uma obsessão, legítima, de dar ao trono inglês um herdeiro (homem) algo que o rei não consegue alcançar com a sua esposa Catarina de Aragão. Vai daí - e como a culpa é sempre das mulheres! - toma como amante Ana Bolena e rapidamente a engravida. Em segredo, Henrique casa com Ana Bolena, mas para conseguir que a criança seja mesmo legítima, falta um pormenor: divorciar-se da primeira mulher. Só que isso naquele tempo ia contra a lei católica. Henrique apela ao Papa Clemente VII que autoriza o divórcio, mas este nega. Em resposta Henrique depõe o arcebispo da Cantuária e sugere um outro da sua confiança. O novo arcebispo declara o primeiro casamento nulo e reconhece como legítimo o casamento entre o rei e Ana Bolena. O Papa responde excomungando Henrique e Henrique responde quebrando laços com Roma e posiciona toda a Igreja sob o seu reinado, sob a sua própria supervisão, orientação e liderança. Isto marca o início do Anglicanismo.
Em 1534 Henrique vai mais longe pedindo a todos os súbditos que se sujeitem ao Acto de Supremacia. O Acto diz que Henrique é o governador supremo de Inglaterra, colocando-o acima das autoridades religiosas. Há outra consequência da luta de Henrique VIII com a Igreja de Roma: Thomas More, o chanceler do reino, declina o convite do monarca para estar presente no casamento do rei com Ana Bolena e recusa igualmente o Acto de Sucessão segundo o qual apenas os filhos de Henrique com Ana Bolena eram os únicos herdeiros ao trono. Henrique VIII não tem mais nada: encerra Thomas More na Torre de Londres e em 1535 ordena a sua decapitação. Como se não bastasse, Ana Bolena "falha" e não consegue dar ao rei o tal filho. Por causa disto, também ela é decapitada. 400 anos após a sua morte, Thomas More, o autor da revolucionária "Utopia", é beatificado e declarado santo pelo Papa Pio XI.
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