segunda-feira, janeiro 30, 2012

último exame. façam figas

quarta-feira, janeiro 25, 2012

- não vai mais vinho para essa mesa -

porque é que se diz que as bandeiras da argélia, malásia, maldivas, turquia... entre outras, têm um crescente? elas têm é um decrescente.

segunda-feira, janeiro 23, 2012

- original soundtrack -

eu sei que vocês são muito bem relacionados e têm facebook e twitter e isso tudo, e por isso já tiveram conhecimento desta parceria, mas vou deixar aqui o link na mesma porque gostei

(Mark Ronson, Mos Def, Erykah Badu, A la modeliste)
- não vai mais vinho para essa mesa -

desculpem, tinha mesmo de fazer isto
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou depois de estudar HACMA. depois de estudar HACMA durante duas semanas uma pessoa não consegue pensar neste século nem neste milénio: as pessoas passam a chamar-se Imhotepe e Nofret e vivemos todos a preparar o nosso ka para a vida post-mortem. penso que perco tempo com isto, mas pelo menos fico a saber que afinal de contas - e ao contrário do que disse um senhor na televisão sobre os tempos feudais em que vivemos - , os egípcios eram pagos para construir o túmulo do seu faraó. para além disso os escravos tinham direitos como o direito de posse e casamento. mais, na mesopotâmia, e a partir do código de Hamurabi, existia uma lei que proibia a condenação sem provas, assim como outra que hoje conhecemos como "presunção de inocência". como a minha capacidade para derivar é grande, mesmo sem justificação, vou poupar-vos a parvoíces e tentar iniciar este post que em vez de ter um antes e um depois, deveria ter um antes e três depois. ficaríamos então com Rembrandt, Caillebotte (tenho quase a certeza que conseguiríamos qualquer coisa entre estes dois...), Chaim Soutine e Hermann Nistch, já que todos eles pintaram (no caso de Nitsch foi uma fotografia) bovinos esventrados. porém, e como já apresentei uma coisa assim parecida (como se isso alguma vez tivesse sido um impedimento...) vou abreviar e confrontar apenas o Caillebotte com o Chaim Soutine.
Caillebotte faz o que lhe compete: uma natureza morta. Aliás ele já havia feito coisas parecidas com uma língua de vaca e uma cabeça de porco (acho eu), penduradas num talho. o corpo do animal esventrado parece ter também uma ornamentação, tal como uma montra de talho, só que agora fazem desmaiar um raminho de salsa sobre as costeletas do cachaço, ou sobre a carne já moída (o que acho que não é permitido por lei... mas ainda se continua a ver. por acaso o trabalho dos talhantes desde sempre me fascinou. o corte da carne desde sempre me fascinou, mas isso fica para outra vez). Outro exemplo desta decoração da carne é o célebre leitão com uma laranja na boca, que é uma coisa que me choca porque um leitão é um porco bebé... não havia necessidade. bem, Caillebotte pinta sem sangue, como se o animal já tivesse sangrado tudo e tivesse sido limpo das vísceras e assim pudesse, contra todas as vozes figurar bem num quadro. É uma versão eugénica do animal esventrado. Já Chaim Soutine mostra a carcaça numa posição diferente. Como em Caillebotte não vemos mesmo o local onde as patas traseiras acabam, parece que o animal está bem seguro, está bem enquadrado. Já em Soutine isso não acontece. A carcaça está em desequilíbrio, no meio de nada (o fundo não é figurativo) e para além disso está mais aberta que a carcaça pintada por Caillebotte. Até parece ter sido sodomizada. Apesar de parecer ter sangrado o uso de cores que Chaim Soutine faz, mesmo as do fundo, acentuam a sugestão de sangue no animal. Tudo é berrante. Vemos que a peça em desequilíbrio e o jogo de cores é suficiente para a primeira nos parecer aceitável e a segunda, assustadora.
Caillebotte
Veau à l'étal
1882

Chaim Soutine
Le boeuf écorché
1924
- o carteiro -

o paper de Iconografia Profana III e última (mais havia a dizer, mas tinha um número limite de páginas)

Em meados do século XIX, Paris era a cidade para onde afluíam todos os que procuravam arte, progresso, indústria e grandes emoções. E um dos locais que os dandies, as demi-mondaines, os burgueses e os turistas frequentavam era justamente o Folies-Bergères, um bar repleto de prostitutas onde se podia assistir a programas de variedades e, obviamente, ver e ser visto. Walter Benjamim escreveu a propósito de Paris em 1929, que era a cidade dos espelhos e se o autor alemão não se referiu, com isto à galeria de espelhos em Versalhes, podemos imputar-lhe a referência a Manet neste seu bar. (Fig. 14) O pintor não retratou a cena in loco, como faziam muitos dos seus contemporâneos, mas antes no atelier. Por isso a luz que vemos não é a luz real do espaço, nem o poderia ser já que num bar privilegia-se sempre uma luz mais coada, menos reveladora. Note-se que as senhoras admitidas eram, na sua maioria, prostitutas e a prostituição não era legal. Embora o bar, à data, já fosse iluminado por uma das grandes invenções da época – a luz eléctrica – e também pelos candeeiros a gás, estamos em crer que nenhuma das duas opções provocaria tal incandescência. Também a rapariga ao balcão, de seu nome Suzon, não foi pintada no seu posto de trabalho, tendo-se deslocado até ao atelier de Manet. Este balcão, nesta pintura, não teria aliás razão de existir caso Manet tivesse sido fiel à realidade, já que nesta os três balcões do Folies-Bergères situam-se no exterior do edifício, junto aos jardins. No espelho que vemos no fundo, e que ocupa quase a totalidade da tela reside grande parte do entendimento da mesma. Vemos como reflete a jovem, o cavalheiro de chapéu e as senhoras ao fundo, mas escapa-nos um pormenor: se Suzon se encontra de frente para nós, fitando-nos como que esperando o pedido de uma taça de champanhe, porque não tapa ela, com a sua figura, todo o reflexo que a mesma teria caso Suzon se encontrasse mesmo de frente? Para a vermos refletida quase a ¾, seria necessário que o espelho estivesse em posição oblíqua, o que não acontece como o corrobora a moldura, paralela à moldura do próprio quadro. Aqui, tal como no Dejeuner sur l’herbe, Manet quebrou regras que os académicos do seu tempo viam como inquestionáveis. Paralelamente esta distorção da verdade matemática permite-lhe dar a conhecer um pouco mais do espaço: as duas senhoras refletidas no lado esquerdo do espelho são uma conhecida de Manet, a demi-mondaine Méry Laurent de vestido branco e atrás dela, de bege, a atriz Jeanne de Marsy. Elas constituem quase a exceção na tela já que as senhoras eram apenas admitidas de duas em duas semanas e graças a um “livre-trânsito” disponibilizado pelo gerente do local. No canto superior esquerdo do quadro, um pouco acima da cabeça da senhora Laurent, podemos ver uns botins verdes no trapézio, elemento esse que sustenta a existência de espetáculos de variedades naquela casa.
Fig. 14
Manet
Um bar no Folies-Bergères
1882
Courtauld Institute, Londres

Do lado direito do quadro, está presente uma figura um pouco enigmática, que se por um lado vem de encontro ao que foi dito acerca da quebra das regras de perspetiva, por outro não deixa de nos ser estranha. (Fig. 15) O “ele” e o “nós” confundem-se: o homem está perto o suficiente no reflexo, mas não na realidade, já que se estivesse ali junto ao balcão, estaria pintado lá. Por outro lado, a imagem do espelho, com a jovem Suzon ligeiramente inclinada para ele, pressupõe um grau de intimidade que o seu olhar, quando visto de frente, dissuade uma vez que ela está distante e talvez até, um pouco triste. Ele é o dandy/flanêur (uma e outra coisa não são a mesma) que a seduz, que procura conversa ou companhia que procura um contexto para a sua existência e presença naquele espaço, tal como nós. Um pormenor, que não existe no espelho, mas fora dele, tem de ser referido. Manet era um grande conhecedor de iconografia clássica. A isso não será alheia a presença, em alguns dos seus quadros, de naturezas-mortas, que não sendo o tema das telas, ajudam-nos a compreender as mesmas. Note-se que as naturezas-mortas eram pinturas non gratas, ou pelo menos, menos consideradas quando comparadas com cenas históricas, por exemplo. Estariam portanto no fim de uma escala de importância que os académicos seguiam à risca.

Fig. 15

Porém, no balcão podemos ver uma jarra com duas rosas: uma branca e outra rosada. As rosas são para a iconografia da Antiguidade símbolo de Vénus e estavam associadas à Virgem Maria nas pinturas religiosas. Para se certificar que estaríamos atentos a estes pormenores, Manet coloca não só a rosa branca (símbolo de pureza) junto à rosa pálida (símbolo do amor divino), como as arranja numa jarra com água, símbolo de pureza, e repete-as no corpete de Suzon. (Fig. 16) Avançaríamos com a hipótese de esta mulher de desdobrar em duas: ser a imagem divina que “serve o seu Senhor” e a Vénus que no espelho atende o seu senhor. Ainda que fique sempre a dúvida, face às laranjas que se encontram no balcão e que já foram usadas por Manet em pinturas onde figuravam prostitutas, se esta não seria apenas mais uma rapariga do campo que chegava à cidade procurando manter simultaneamente a sua ingenuidade e comer à guisa de alguns favores sexuais. Honni soi qui mal y pense.
Fig. 16
- o carteiro -

Van Gogh
Fifteen sunflowers in a vase
1888
National Gallery, Londres

quando a minha idade era outra que não esta, as escolas primárias da cidade programaram em conjunto os festejos do dia mundial da criança. cada turma tinha de aprender uma canção que tinha como mote uma letra. ficámos com a canção do "d". não me perguntem a idade que eu tinha, o ano em que isto aconteceu, ou a logística da coisa. só sei que tinha de cantar a canção do "d", e se possível sem papel. ensaiámos arduamente (eu pelo menos) para saber a canção na ponta da língua. no dia, após um desfile pelas ruas da cidade, com uns chapéus à chinês feitos com cartolina, fomos todos colocados dentro da praça de touros. sem touros. ali várias turmas cantaram as suas músicas até chegar a vez da canção do "d". não me lembro se tínhamos de cantar as músicas por ordem alfabética. quando chegou à nossa vez, à vez da turma da dona Alcina, a coisa lá saiu:

"doíam os dentes ao demónio
há dez dias que não descansava
desceu ao dentista
e fez um grande pandemónio
dançou de medo e desespero

o demónio indicou o dente com o dedo
desatou a dizer as desgraças dele
..."

e por aí em diante. não me lembro do resto nem me lembro se acabava com o demónio desdentado ou com placa. gostei de saber, desde essa altura que o demónio tinha dores de dentes e que tinha desgraças para contar (quatro alminhas que se salvaram, uma tentação frustrada, oh opróbrio...). depois, depois veio o rui veloso e a miudagem passou-se. também não me lembro se tocou muitas músicas, mas acho que não. hoje penso que o rui veloso foi lá porque estava perto e não lhe custava nada. acho que tocou as músicas mais conhecidas, incluindo o chico fininho cujo disco tínhamos lá em casa. eu não sabia colocar os discos a tocar e por isso quase sempre os ouvia na rotação errada. lembro-me de ter dançado o chico fininho como de fosse charleston e vim embora. lembro-me de me ter sentido muito feliz. quando cheguei a casa fui ver a Rua Sésamo em espanhol, a preto e branco (alguém lá na rua tinha parabólica, uma inovação!). para ligar a televisão tinha de subir a uma cadeira e a um móvel. uma vez bati com a cara no móvel e lá se foi um dente que estava a abanar. enquanto via a Rua Sésamo, comi pão com manteiga e marmelada e tomei leite da garrafa termos, que a minha mãe tinha deixado preparado desde manhã. acho que a minha avó passou por lá, a caminho da praia, para eu lhe desapertar os milhares de colchetes da cinta e ela poder vestir o fato de banho que mais parecia uma armadura, principalmente nas mamocas. a minha avó tinha mamoca para dar e vender. se eu soubesse o que sei hoje, tinha comprado... depois a minha avó foi para a praia, ali a dois quarteirões para apanhar sol nos ossos, mas não nas varizes. eu não temia a velhice. a velhice era como um daqueles daqueles comboios em que de vez em quando alguém ficava debaixo. como era possível ficar debaixo de um comboio? a gente ouve o comboio a chegar e se não ouve, é porque ele ainda vem longe. a velhice era como um comboio que eu não ouvia chegar. era impossível ficar debaixo da velhice. hoje o que me perturba é saber que isto não é o ensaio geral para a vida.
- o carteiro -

boas exposições e porque é que o Sporting escolheu girassóis e borboletas:
[1]
Segundo Lucia Impelluso (Nature and it's symbols, The J. Paul Getty Museum) a borboleta é símbolo da morte e ressurreição. E isto já vem de longe. Em grego, o termo psyche tanto quer dizer alma, como borboleta razão pela qual muitas vezes Psyche, amada de cupido, é representada com asas como naquela escultura de Canova. Mas enquanto na Antiguidade a borboleta/alma podia ser uma sombra da morte, no Cristianismo a imagem da borboleta estava relacionada com a ressurreição devido ao percurso de vida do inseto, mas acima de tudo, devido ao facto de sair do casulo (isso fascinava as pessoas). Quando nas naturezas mortas (penso que esse é o caso do Sporting), as borboletas são retratadas junto a flores várias e junto a outros insetos como moscas ou libelinhas, representam a vitória do bem contra o mal. Já que estamos a falar de um clube de futebol que tem de enfrentar tantos adversários, parece-me bem. Quanto ao girassol ele é símbolo da ninfa Clítia. Clítia era uma ninfa que amava Apolo, mas ele estava apaixonado por outra que por acaso era filha do rei da Babilónia. Clítia não fez a coisa por menos e correu a contar ao rei Orchamus o que estava a acontecer. O rei furioso mandou enterrar a sua filha numa cova muito funda. Ora Apolo andava de um lado para o outro no céu, a tentar levar até essa cova algum cheiro que trouxesse a sua amada de volta à superfície. E Clítia olhava para ele, a cruzar o céu de manhã à noite, a ver se Apolo lhe dispensava um bocadinho de atenção. Eu acho que o girassol é a flor dos amores não correspondidos. Embora Ovídio não tenha referido que Clítia se transformou num girassol, o mais provável era que fosse essa a flor. Quanto ao Sporting... receio que o clube se veja como Clítia, que procura o Sol.

[2]
Damien Hirst: The complete spot paintings 1986-2011 na Gagosian Gallery e também em cerca de mais 11 locais diferentes. A exposição celebra os 25 anos de pintura de bolinhas do artista inglês e inclui cerca de 300 pinturas desde a primeira bolinha criada em 1986, passando pelas bolinhas mais pequenas em 1996, até às bolinhas de 2011. Esta exposição que abriu dia 12 e estará patente, numa galeria perto de si, até ao dia 18 de Fevereiro antecede a primeira grande retrospetiva dedicada a Hirst e que terá lugar na Tate Modern de Londres em Abril deste ano.

[3]
Gilbert and George: The urethra postcard pictures na Pinacoteca Giovanni and Marella Agnelli em Turim. Com um título "simpático", esta é a primeira exposição dedicada aos postais realizados pelo duo inglês. São mais de 130 dos postais de 2009, bem como alguns do final da década de 60. Até dia 6 de Março.

[4]
Mathematics: a beautiful elsewhere na Fundação Cartier em Paris até Março. Esta exposição inclui o contributo de matemáticos e cientistas em áreas que nos parecem tão estranhas como a teoria do número, geometria algébrica, geometria diferencial, topologia, probabilidades e (a minha preferida) matemática aplicada à biologia. Estes cientistas e matemáticos foram acompanhados por nove artistas incluindo Hiroshi Sugimoto, David Lynch, Patti Smith e Beatriz Milhazes que traduziram em obras (algumas melhores que outras, há que dizê-lo. há gente que não se percebe muito bem o que fez) conceitos matemáticos.

[5]
Judaism: a world of stories na Die Nieuwe Kerk, em Amesterdão, até 15 de Abril. Esta exposição conta com mais de 500 objetos e conta a história de cerca de 3000 anos de cultura, religião e art judaica. Os objectos em exposição vão tanto dos manuscritos no Mar Morto, do século I até um quadro de Chagall ou tapeçaria contemporânea.

[6]
Azzedine Alaïa in the 21st century no Groninger Museum até 6 de Maio. O estilista tunisino foi um dos mais importantes dos anos 90 e criou peças que tinham tanto de sedutor como de impraticáveis já com elas as mulheres pareciam uns insetos. Esta exposição mostra o trabalho de Alaïa nos últimos dez anos e está organizada pelos materiais usados: em cada divisão é focado um dos materiais usados pelo estilista, do veludo ao chiffon.

sexta-feira, janeiro 13, 2012

quinta-feira, janeiro 12, 2012

- não vai mais vinho para essa mesa -

Bernini Gaúcho ou como eu volto a postar quando estiver melhorzinha da constipação

segunda-feira, janeiro 09, 2012

- original soundtrack -

não me tem apetecido ouvir nada
- não vai mais vinho para essa mesa -

mas podem trazer o Freud, a Alexandra Solnado e a Heloísa Miranda para ver se percebo isto.

Sonhei um sonho muito estranho. Sonhei que estava interessada num tipo que era chef. Não me lembro da cara dele, nem de nada daquilo que sentia em concreto, mas lembro-me que estava interessada nele e ele em mim. Pelo menos pareceu-me. Acontece que os restaurantes e as cozinhas onde nos encontrávamos se situavam debaixo do solo. Entrávamos para lá através das tampas de saneamento. Entretanto, subo ao solo. Encontro-me junto da divisão de um palácio, daquelas divisões com tetos estucados , lustres em cristal e cortinas pesadas em veludo adamascado. Entro. Estou ali para entregar um papéis para serem assinados. Ao entrar reconheço uma voz: o R. que fica a olhar para mim. Volto-me de costas, coro e os meus lábios duplicam de volume. Quando me volto de frente, ele estava sentado a acabar de assinar os papéis e em vez de entregá-los, começa a atirá-los para o chão, um a um. Perguntei-lhe se ele esperava que os apanhasse. Perguntou-me qual era o problema. Respondi-lhe que era preciso ter respeito. Ele apanhou os papéis e deu-mos, embora contrariado. Saí dali em fúria, a chamar-me nomes feios baixinho. Enquanto caminho ele passa por mim sem dizer uma palavra. Com a fúria ainda maior deixei-me ficar para trás e rasguei os papéis. Falei para o ar que "era inadmissível" e mais não sei quê... Volto a encontrá-lo na rua, junto a um sinal de trânsito. Tinha três filhos. Embora ele me fizesse enormes declarações de amor, referisse as saudades e a felicidade em me ver, eu só conseguia repetir: "tu fizeste três filhos? três filhos?" (acho que esta parte é de resquícios do Vale Abraão do Oliveira. A Ema do filme também fez três filhos. Só que no caso dela os filhos eram uma forma de se vingar do marido, no marido. Tinha filhos dele para lhe mostrar que ele não se lhe podia recusar-se). Sem que me desse conta o cenário mudou. Estava agora a subir uma rua de saltos altos, caminhando em direção a um escritório envidraçado. A calçada era em granito. Entro sem falar com nenhum dos presentes - que de resto não conhecia - olho para uma das secretárias à procura do ZP, mas não o encontro. Quando ia a sair e a descer a rua, vejo-o à minha frente, apressado, também a descer a mesma rua. Mas como estou de saltos altos, não consigo acompanhar o passo dele. Ouço-o dizer que vai tomar um atalho. De imediato fui transportada para o interior de um automóvel. À frente vai um amigo, o João (o João vai a conduzir quando na realidade nem tem carta) e ao lado o ZP. Em vou atrás. Para encurtar caminho o João decidiu fazer quilómetros de marcha atrás na autoestrada, com o objetivo de chegar a um saída onde supostamente tudo seria mais rápido. Mas eis que volto à rua, e às tampas de saneamento. Tento abri-las uma a uma, mas em todas alguém tapou os buracos com terra. Sem mais remédio, acordei.
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou hoje não me apetece escrever. também não pensei que o Munch pudesse fazer coisas melhores, mas pelos vistos, fez. é uma opinião, mas o "Grito" gives me the creeps... ainda que a maior parte das pessoas pense e diga que é uma expressão de um estado de espírito, a verdade é que a arte tem uma função que é: fazer-nos sentir coisas. ora, como a maior parte de nós já experimenta coisas más todos os dias a toda a hora, a arte é, pelo menos para mim, a minha fatia de bolo de chocolate, o meu episódio da novela, a minha dose de droga.

desculpem, eu às vezes perco-me em porcarias que existem na minha própria cabeça (dentro da cabeça, entenda-se). O Caillebotte é um tipo de quem eu gosto. fez umas coisas bonitas, cumpriu e a meu ver, cumpriu muito bem. claro que, em comparação com Munch, preferiu as árvores e uma bela varanda para emoldurar as vistas da cidade. como se a sua vida fosse a dos boulevards e por isso não desejasse pintar o povo, o que fazia o povo, para onde ia o povo, mas apenas a cidade que, apesar de se tratar de Paris, tem um cheirinho a Inglaterra no chapéu do homem em plano mais próximo. Munch preferiu tirar as árvores e mostrar o trânsito desordenado e as pessoas de um lado para o outro. curiosamente, acho que Munch usou mais cor do que aquela que provavelmente veria na realidade. mesmo assim, esta pintura de Munch tem algo de perturbador. vejam como a varanda, o pavimento da varanda se inclina, o que resulta numa perspetiva tortuosa. ora se nós estamos deste lado a ver, estamos no lado mais inclinado, naquele que vai mesmo cair, levando a um desequilíbrio. este Munch era um danado, mas o Caillebotte dá-me mais paz e eu preciso disso. e assim acontece.
Caillebotte
Un balcon - boulevard Haussmann
1880
Coleção privada

Munch
Rue Lafayette
1891
Najonalgalleriet, Oslo
- o carteiro -

o paper de Iconografia Profana sobre o tema do espelho na pintura - parte II

Em 1656, era Velázquez pintor da corte do rei Filipe IV de Espanha quando executou esta obra onde o espelho exerce um papel central. (Fig. 9) Um aparente retrato de família, muito informal torna-se pela mão de Velázquez a revelação de muito mais: é a revelação das relações familiares que se viviam na família real, a revelação do futuro e a revelação das práticas que a corte tinha com os seus súbditos. Las Meninas mostra uma sala do palácio real onde de forma quase informal a infanta Margarida Teresa, primeira filha do rei Filipe IV e da rainha Margarida da Áustria, numa primeira análise, parece posar para o pintor. A jovem, que olha para fora; ou seja, para os seus pais e por consequência para nós que somos os observadores, assume já a sua noção de posição de Estado. Não obstante ter apenas cinco anos, a infanta revela auto-controlo e consciência da situação. Ela olha para os seus pais e não para nenhuma das aias ou damas de companhia que a rodeiam, não obstante a da esquerda se ajoelhar. Impávida, mantém, tal como as outras personagens, o cumprimento do protocolo que em Espanha era mais apertado do que em qualquer outra corte europeia, mesmo nesta época em que o poderio espanhol era uma sombra do que havia sido. A infanta era o orgulho dos pais – talvez mais da mãe do que do pai que preferiria um varão para dar continuidade ao legado – e a sua boa figura é uma esperança pictórica da Espanha de então, já que a Rainha Margarida havia sido mal sucedida nas gestações posteriores (duas crianças do sexo masculino morreram na infância e uma terceira nasceu com deficiências). A dama da esquerda, que lhe estende uma bandeja com um bucaro com água era Dona María Sarmiento, enquanto a da direita era Dona Isabel de Velasco. Porém, estas não são as únicas personagens junto a Margarida Teresa: ela surge acompanhada de dois anões. Trata-se da alemã Maria-Bárbola e do italiano Nicolas de Pertusato, dois “monstros”, como também eram apelidados, que circulavam na corte como se se tratassem de animais de estimação ou atrações circenses e que assim, através da sua fealdade e disformidade, tornavam mais suportável os rigores da época e do protocolo da corte. Um dos anões, Nicolas é no quadro a única personagem que quebra esse mesmo protocolo ao brincar com o cão e provocá-lo, colocando o pé em cima do mastiff. Para além destas personagens surgem mais em sombra Dona Marcela de Ulloa, freira, junto a ela um homem cuja origem se desconhece e nas escadas Don José Nieto Velázquez, responsável pelas tapeçarias do palácio.
Fig. 9
Diego Velázquez
As meninas
1656-1657
Museu do Prado, Madrid

Três contradições surgem neste quadro. Uma deles prende-se com o próprio pintor que se retrata com a Cruz da Ordem de Santiago ao peito. (Fig. 10) No entanto, quando o quadro é realizado em 1656, Velázquez ainda não era membro da mesma tendo sido apenas três anos depois. Talvez nesta época ainda estivesse a decorrer o processo de legitimação do candidato a membro da ordem, processo esse que incluía, por exemplo, análises aos antepassados (o candidatado não podia ter sangue mouro ou judeu) e o testemunho de cerca de 100 pessoas que assegurassem que o pintor nunca tinha exercido a sua atividade por dinheiro. A outra contradição ou falseamento da verdade é o reflexo dos reis no espelho. Aparentemente testemunham um momento feliz em que a família se encontra toda reunida, mas rei e rainha, na realidade, não eram tão companheiros quanto parecem fazer crer.
Fig. 10

O rei tinha várias amantes e filhos ilegítimos e D. Margarida uma pessoa doente, sozinha e amarga. (Fig. 11) A terceira contradição prende-se com a pintura em si. O que estaria Velázquez a pintar? Não poderia estar a pintar a infanta e a cena que junto dela se desenrola já que o quadro se encontra à frente da menina. Quer isto dizer que para a ver o pintor teria de olhar constantemente para trás. O que acontece é antes uma suspensão do momento, como que uma fotografia. Presumimos que rei e rainha chegaram ao espaço num momento informal e todos se detêm perante os reis. Velázquez acentua a sua presença colocando-os no espelho e fazendo deles os catalisadores da pintura. O espelho, que não era uma novidade nas pinturas, tem aqui o papel de organizador do espaço já que a sua posição é central na pintura: o seu lado superior marca a linha imaginária que separa o quadro em duas partes. Para além disso este espelho encontra-se mesmo no centro da parede do fundo. No entanto, apesar de se encontrar em posição privilegiada, o espelho não reflete o espaço a que tem acesso, mas apenas os reis. A epifania que nele se dá manifesta a presença divina dos monarcas e estabelece um ideal para a infanta e restantes presentes. Desta forma o espelho não pode ser apenas visto como uma forma propagandística da corte espanhola já que implica a noção de virtude como uma qualidade da realeza. Os reis são como que o espelho do reino, levando assim os vassalos a mimetizar os seus atos e gestos.
Fig. 11

Outra zona do quadro tem papel central: a abertura onde se encontra Don José. Ali se situa o centro de um triângulo que tem como lados o realizado pelo pé do anão mais à direita até à base da pintura, o que segue as costas da dama mais à esquerda e aquele que se guia pelo cabelo da anã e o rosto do homem junto à freira. (Fig. 12) Também as linhas de fuga das janelas, tela e candeeiros se dirigem para este ponto. Em termos de espaço da pintura o aposento onde todos se encontram também se estende ao observador. Assim, do observador até à porta estamos perante um espaço real, enquanto o espaço ideal é aquele que se desenvolve no espelho e o imaginário, aquele que está retratado nas pinturas. No quadro, a cada uma das personagens foi dada uma individualidade: a infanta, que é a que mais luz recebe, luz essa vinda de uma ou duas janelas à direita (as três restantes parecem-nos fechadas), estabelece paralelo com a luz vinda do fundo, embora Don José não tenha recebido, em termos de técnica, a mesma atenção dedicada à infanta. Os reis ao fundo estão na sombra e diluídos, embora o seu retrato esteja iluminado, como que pertencendo a um mundo que poucos teriam acesso. Em termos de linhas de força do quadro, as que predominam são as horizontais e as verticais, não obstante estarmos perante um exemplar do Barroco. Estas aparecem-nos das janelas, dos quadros e espelho e do que é possível observar nas paredes. No entanto Velázquez colocou no quadro três linhas irregulares, paralelas entre si e que servem de contraponto às linhas horizontais e verticais. (Fig. 13)
Fig. 12


Fig. 13
- não vai mais vinho para essa mesa -




- o carteiro -

Van Gogh
Fifteen sunflowers in a vase
1888
National Gallery, Londres

para mim o ano muda mais tarde, muda perto de Fevereiro, quando se aproxima a transição de idade. nessa altura fico introspetiva, a pensar naquilo que sou e em quem gostaria de ter sido. desde sempre tive expectativas muito elevadas em relação a mim. queria o melhor, achava-me merecedora do melhor, mas também achava que as pessoas com poucas condições financeiras dificilmente iriam a algum lado. isto claro, em comparação com as minhas amigas que podiam ter roupa de marca. lembro-me de esperar na fila da cantina e odiar-me por estar lá. achava que se havia alguma forma de sobressair no mundo era através do meu trabalho. era das melhores alunas - por vezes a melhor - mas isso não parecia ser suficiente. isso nunca foi suficiente. desde cedo uma insatisfação muito grande se apoderou de mim. não se transformou em ressabiamento, mas apenas um desânimo, um fastio em tudo

este ano a introspeção chegou mais cedo, tudo porque no natal percebi que aquelas pessoas que deviam estar lá, aquelas pessoas que acreditaram em mim, no meu valor, deixaram de acreditar. eu por consequência, ou talvez por antecipação também deixei de acreditar. tinha tudo para ser genial, mas quem é genial porque gosta de ler ou escrever sobre arte ou dizer palermices (algumas com sentido)? quem é que é genial porque se manifesta? fala-se muito hoje em "lutar", mas que armas é que tenho num mundo que cada vez privilegia mais quem dá cara e as opiniões, mais do que o trabalho (conjunto de justificações aborrecidas, chatas..., meia dúzia de citações, uma ou outra referência filosófica)? Que motivações posso ter quando todos aqueles em quem confiava, a quem dei muito e de quem muito recebi, me deixam porque não estou na crista da onda, porque com esta idade não tenho casa nem emprego, detesto conduzir, não sei andar de bicicleta, nunca namorei, não gosto de sair à noite e não tenho grande talento para o convívio social? Pergunto-me muitas vezes porque voltei a estudar, o que me dá a História da Arte para além de satisfação pessoal. Para onde vou a estudar até ter idade para fazer filhos? e serei menos amiga ou menos interessante por causa disto? sinto que os desiludi, sinto que eles me desiludiram muito. sinto-me cansada, parece que é Inverno há uma série de anos.